terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Deus lhe pague.

Um sujeito passou mal no meio da rua, caiu, e foi levado para o setor de emergência de um hospital particular, pertencente à Universidade Católica, e administrado por freiras. Lá, verificou-se que teria que ser urgentemente operado do coração, o que foi feito com êxito. Quando acordou, a seu lado estava a freira responsável pela tesouraria do hospital e que lhe disse prontamente:
- Caro senhor, sua operação foi bem sucedida e o senhor está salvo. Entretanto, um assunto precisa de sua urgente atenção: como o senhor pretende pagar a conta do hospital? O senhor tem seguro-saúde?
- Não, Irmã.
- Cartão de crédito?
- Não, Irmã.
- Pode pagar em dinheiro?
- Não tenho dinheiro, Irmã.
- Em cheque, então?
- Também não, Irmã.
- Bem, o senhor tem algum parente que possa pagar a conta?
- Ah, Irmã… Eu tenho somente uma irmã solteirona, que é freira, mas não tem um tostão.
E a freira:
- Desculpe que lhe corrija, mas as freiras não são solteironas, como o senhor disse. Elas são casadas com Deus!
- Magnífico! Então, por favor, mande a conta pro meu cunhado…
E foi assim que nasceu a expressão: “Deus lhe pague”.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Eu disse que não precisava de literatura de auto-ajuda: meu coração já sabia o que fazer da vida.

Eu queria saber se João estava em casa, mas o zunzunzum do salão abafou a minha
pergunta. O jeito era descobrir por contra própria. Quando Salete cobriu os olhos com as
rodelas de batata, entrei no jardim do sobrado e subi os degraus da varanda. Pelo caminho,
eu tinha ensaiado algumas falas, mas todas as minhas idéias pareciam forçadas ou ridículas
ou dramáticas. Decidi esvaziar a cabeça pra seguir o conselho da vó Nina: relaxar o corpo e
confiar na língua.
Em câmera lenta, levantei o braço e estiquei o dedo ansioso.
Antes que eu tocasse o botão da campainha, João abriu a porta e me perguntou se eu tinha
decifrado os hieróglifos. Será que ele estava me esperando? Respondi que não havia
hieróglifo nenhum, qualquer leitor podia entender a sua letra e era justamente pra falar
sobre isso - tirei do bolso o envelope de seda - que eu estava ali.
João não negou a autoria dos bilhetes, mas justificou o anonimato dizendo que se recusava
a assinar Júnior. Ficou um instante de olhos baixos e por fim confessou que, pra falar a
verdade, não teve coragem de se identificar - nem mesmo depois que lhe dei o apelido de
João. Achava que eu gostava de outro e que poderia, sei lá, me ofender.
Tanta sinceridade me deixou comovida - e completamente muda. Por mais que confiasse na
língua, não achei nem um monossílabo pra traduzir o que sentia.
Era como se estivesse enxergando o João pela primeira vez. Enquanto ele tentava se
explicar, prestei atenção na sua boca e notei que os lábios tremiam. A tensão dilatava as
narinas e parecia espremer os olhos entre as sobrancelhas e as olheiras. Observando um
pouco mais de perto, percebi que a franja comprida tapava as espinhas da testa e quase
pude contar os fiapos do futuro bigode. Não havia nenhum traço especial naquele rosto, tipo covinha nas bochechas ou sorriso de creme dental, mas o conjunto tinha personalidade
e podia ser considerado bonito. Ou, pelo menos, bonitinho.
João achou o meu olhar estranho, mas eu disse que não era nada e tirei a franja dele da
testa. Ele não escondeu o alívio: "Quer dizer que você não ficou com raiva?". Fui obrigada
a confessar que não; pelo contrário, os seus bilhetes eram muito inspirados e combinavam
poesia com humor na dose certa.
O elogio reduziu a pó a inibição de João. Ele sabia que a minha literatura tinha o poder de
transformar ficção em realidade (Salete lhe contou tudo no dia em que ressuscitei o
Frederico) e concluiu que isso me permitia mandar no meu coração. Era só escrever uma
frase - Estou gostando do João - e a gente ficaria quite.
Não há nada no mundo mais irresistível que declaração de amor de um tímido. Depois de
me beijar de leve na testa, João passou para a bochecha, daí pulou para a ponta do nariz e
só então criou coragem de arriscar a boca. Ele não tinha a técnica do Guto, muito menos a
experiência, e quase me sufocou com tanta ansiedade. Mas isso não fez diferença. Eu
também estava ofegante e adorei aquele beijo improvisado, mambembe e, em todos os sentidos, amador.
Fui a primeira a abrir os olhos e tive uma deliciosa surpresa: o garoto beijava de olhos
fechados! A gente passou algum tempo em silêncio, sem saber o que dizer ou onde pôr as
mãos, até que João voltou a me pedir pra escrever a tal frase. Eu disse que não precisava de
literatura de auto-ajuda: meu coração já sabia o que fazer da vida.
Às vezes eu me sinto predestinada e divina, uma bruxa capaz de criar ou destruir com as
palavras que joga no caldeirão. Mas nem tudo se resolve com bruxaria. Eu não tinha
conseguido, por exemplo, salvar o casamento da minha mãe nem prolongar a adolescência
da vó Nina. Por outro lado, não precisei usar a ficção pra livrar Salete do ex, evitar que
Leninha visse o pai com a nova amante, descobrir o autor dos bilhetes anônimos e, de
quebra, ganhar um namorado. Tudo isso se arranjou por conta própria e me fez entender
que não é possível concorrer com as surpresas do dia-a-dia. Mesmo quando o meu texto
funciona, o resultado é uma realidade apenas provisória, que mais cedo ou mais tarde vira
bagunça e me obriga a produzir outro texto; este gera uma nova realidade, e assim
indefinidamente. Não que eu esteja reclamando; afinal, foi graças a esse jogo de gato e rato
que ganhei o primeiro beijo do João.

Abertas as janelas do ônibus, deixei o vento atrapalhar o cabelo e ouvi o coração latejando.
A verdade é que eu estava inquieta e aflita - uma estranha sensação de formigamento na
alma. Aos poucos, comecei a ficar irritada, senti um arrepio na nuca e lembrei que ainda
não tinha almoçado.
Essa irritação já durava alguns dias e, portanto, não podia ser fome. Sem entender o meu
comportamento, desci do ônibus reclamando por ter recebido o troco em moedas,
resmunguei ao ver seu Esteves dormindo na portaria e apertei mil vezes o botão do
elevador encalhado no último andar.
Já era quase noite quando entrei em casa. No bico do pinguim da geladeira, havia um
recado da minha mãe: Fui buscar o Xandi na escola e não demoro. Seu almoço está dentro
do microondas. O almoço, àquela hora, seria jantar. Só que eu não tinha mais fome.
Uma pontada na bexiga me levou ao banheiro. O espelho mostrava uma imagem
emburrada, mas esse mau humor durou pouco. Ao olhar para o fundo do vaso, vi que tinha
feito xixi vermelho e me senti a garota... me senti a mulher mais poderosa do mundo.
De agora em diante, eu podia me orgulhar de conhecer pessoalmente a TPM!
Saí correndo até o quarto da vó Nina, que estava deitada de lado e esburacava a parede com
o dedo. Ajoelhada à beira da cama, revelei a identidade do autor dos bilhetes, descrevi a
sensação de um beijo amador e contei que precisava ir até a farmácia pra comprar um
absorvente íntimo, meu grande sonho de consumo!
A pacata senhora da terceira idade mostrou um sorriso manso, mas distante. Será que estava
me ouvindo?
Olhei através da janela e vi a noite chegando; a Lua cheia brilhava nas unhas enormes que
eu tinha dado à minha avó de presente.
Ela se virou para a parede e recomeçou a cavar.
A poderosa 1- Diário de uma garota que tinha o mundo na mão, Pág. 88-89

domingo, 5 de dezembro de 2010

Eu só quero que a menininha de quem eu me lembro, a menina de camisola que eu peguei no colo tanto tempo atrás, só quero que ela cresça em segurança.

"...— Qual seria a fonte do seu poder? — Isabel perguntou em voz baixa. — E como vocês iam lidar com esse poder? Porque, francamente... — Ela deu uma risadinha. — ... uma menina de 14 anos e um garoto de 11 dominando o mundo? Vamos admitir que isso é um tanto ridículo.
— Uau — retrucou Amy. — Você pode fazer isso de novo? Tipo, me ofender de um jeito supereducado? — Amy não conseguia acreditar que aquela voz fria e sarcástica era a sua própria.
— Não tenho a intenção de ofendê-la — Isabel disse num tom gentil. — Eu só estava sendo realista. Você pensa que, mesmo se vencerem a busca pelas pistas, o perigo chegará ao fim? — Ela balançou a cabeça. — Seria apenas o começo. Para perceber isso, basta analisar a História. Meus filhos não são bons alunos. Mas você é ótima em pesquisas. Você sabe, a História prova que todo conquistador tem sua queda. Por que ela sabe tanto sobre mim?, Amy se perguntou. Eu não sei nada sobre ela.
— Eu gostava tanto dos seus pais — Isabel continuou. — Eram tão bonitos e tão promissores... Fiquei arrasada quando soube do incêndio. Se eles tivessem sobrevivido, tudo poderia ser diferente hoje. Talvez os Cahill fossem um pouco mais... civilizados. Mas, do jeito que as coisas são, temos uma única esperança. Os Lucian.
Amy bufou:
— Ah, que surpresa. Você é uma Lucian.
— Naturalmente sinto que os Lucian são os mais preparados para ficar no controle do poder extremo. Nós reunimos as melhores qualidades de toda a família Cahill. Somos líderes. Temos uma rede global operante. Mas você e seu irmão... vocês estão sozinhos.
Seus pais morreram, Grace morreu, vocês não têm ninguém para protegê-los. Eu só quero que a menininha de quem eu me lembro... a menina de camisola que eu peguei no colo tanto tempo atrás... só quero que ela cresça em segurança. Se você soubesse o que... — ela hesitou.
— O quê?
Passos ecoaram no corredor. Isabel virou-se na direção do barulho.
— Confie em mim — ela sussurrou. E então fugiu apressada."
Nas Profundezas, pág. 23-24, cap. 2, The 39 Clues.